quinta-feira, 30 de junho de 2011

Homem_na_Cidade_2.mov



www.joseluistinoco.com
Um Homem na Cidade
música: José Luís Tinoco
poema: Ary dos Santos
cantado por Ivan Lins com o trio de Bernardo Sassetti

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Retrato de Mónica - Sophia M. Breyner

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Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, «qualquer distracção pode causar a morte do artista». Mónica nunca tem uma distracção. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.
Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exactamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande.
Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.
O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma. O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.
É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.
E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.
Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.
Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente, nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.
Não é o desejo do amor que os une. O que os une e justamente uma vontade sem amor.
E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio; mais firme fundamento do seu poder.”


“Retrato de Mónica” por Sophia de Mello Breyner Andresen

in Contos Exemplares – Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Nada é novo. Nunca!

António Barreto faz um diagnóstico ao estado do País e propõe soluções

Discurso do Doutor António Barreto, Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

Castelo Branco, 10 de Junho de 2011

Nada é novo. Nunca! Já lá estivemos, já o vivemos e já conhecemos. Uma crise financeira, a falência das contas públicas, a despesa pública e privada, ambas excessivas, o desequilíbrio da balança comercial, o descontrolo da actividade do Estado, o pedido de ajuda externa, a intervenção estrangeira, a crise política e a crispação estéril dos dirigentes partidários. Portugal já passou por isso tudo. E recuperou. O nosso país pode ultrapassar, mais uma vez, as dificuldades actuais. Não é seguro que o faça. Mas é possível.

Tudo é novo. Sempre! Uma crise internacional inédita, um mundo globalizado, uma moeda comum a várias nações, um assustador défice da produção nacional, um insuportável grau de endividamento e a mais elevada taxa de desemprego da história. São factos novos que, em simultâneo, tornam tudo mais difícil, mas também podem contribuir para novas soluções. Não é certo que o novo enquadramento internacional ajude a resolver as nossas insuficiências. Mas é possível.

Novo é também o facto de alguns políticos não terem dado o exemplo do sacrifício que impõem aos cidadãos. A indisponibilidade para falarem uns com os outros, para dialogar, para encontrar denominadores comuns e chegar a compromissos contrasta com a facilidade e o oportunismo com que pedem aos cidadãos esforços excepcionais e renúncias a que muitos se recusam. A crispação política é tal que se fica com a impressão de que há partidos intrusos, ideias subversivas e opiniões condenáveis. O nosso Estado democrático, tão pesado, mas ao mesmo tempo tão frágil, refém de interesses particulares, nomeadamente partidários, parece conviver mal com a liberdade. Ora, é bom recordar que, em geral, as democracias, não são derrotadas, destroem-se a si próprias!

Há momentos, na história de um país, em que se exige uma especial relação política e afectiva entre o povo e os seus dirigentes. Em que é indispensável uma particular sintonia entre os cidadãos e os seus governantes. Em que é fundamental que haja um entendimento de princípio entre trabalhadores e patrões. Sem esta comunidade de cooperação e sem esta consciência do interesse comum nada é possível, nem sequer a liberdade.

Vivemos um desses momentos. Tudo deve ser feito para que estas condições de sobrevivência, porque é disso que se trata, estejam ao nosso alcance. Sem encenação medíocre e vazia, os políticos têm de falar uns com os outros, como alguns já não o fazem há muito. Os políticos devem respeitar os empresários e os trabalhadores, o que muitos parecem ter esquecido há algum tempo. Os políticos devem exprimir-se com verdade, princípio moral fundador da liberdade, o que infelizmente tem sido pouco habitual. Os políticos devem dar provas de honestidade e de cordialidade, condições para uma sociedade decente.

Vivemos os resultados de uma grave crise internacional. Sem dúvida. O nosso povo sofre o que outros povos, quase todos, sofrem. Com a agravante de uma crise política e institucional europeia que fere mais os países mais frágeis, como o nosso. Sentimos também, indiscutivelmente, os efeitos de longos anos de vida despreocupada e ilusória. Pagamos a factura que a miragem da abundância nos legou. Amargamos as sequelas de erros antigos que tornaram a economia portuguesa pouco competitiva e escassamente inovadora. Mas também sofremos as consequências da imprevidência das autoridades. Eis por que o apuramento de responsabilidades é indispensável, a fim de evitar novos erros.

Ao longo dos últimos meses, vivemos acontecimentos extraordinários que deixaram na população marcas de ansiedade. Uma sucessão de factos e decisões criou uma vaga de perplexidade. Há poucos dias, o povo falou. Fez a sua parte. Aos políticos cabe agora fazer a sua. Compete-lhes interpretar, não aproveitar. Exige-se-lhes que interpretem não só a expressão eleitoral do nosso povo, mas também e sobretudo os seus sentimentos e as suas aspirações. Pede-se-lhes que sejam capazes, como não o foram até agora, de dialogar e discutir entre si e de informar a população com verdade. Compete-lhes estabelecer objectivos, firmar um pacto com a sociedade, estimular o reconhecimento dos cidadãos nos seus dirigentes e orientar as energias necessárias à recuperação económica e à saúde financeira. Espera-se deles que saibam traduzir em razões públicas e conhecidas os objectivos das suas políticas. Deseja-se que percebam que vivemos um desses raros momentos históricos de aflição e de ansiedade colectiva em que é preciso estabelecer uma relação especial entre cidadãos e governantes. Os Portugueses, idosos e jovens, homens e mulheres, ricos e pobres, merecem ser tratados como cidadãos livres. Não apenas como contribuintes inesgotáveis ou eleitores resignados.

É muito difícil, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas, investir na economia e salvaguardar o Estado de protecção social. É quase impossível. Mas é possível. É muito difícil, em momentos de penúria, acudir à prioridade nacional, a reorganização da Justiça, e fazer com que os Juízes julguem prontamente, com independência, mas em obediência ao povo soberano e no respeito pelos cidadãos. É difícil. Mas é possível.

O esforço que é hoje pedido aos Portugueses é talvez ímpar na nossa história, pelo menos no último século. Por isso são necessários meios excepcionais que permitam que os cidadãos, em liberdade, saibam para quê e para quem trabalham. Sem respeito pelos empresários e pelos trabalhadores, não há saída nem solução. E sem participação dos cidadãos, nomeadamente das gerações mais novas, o esforço da comunidade nacional será inútil.

É muito difícil atrair os jovens à participação cívica e à vida política. É quase impossível. Mas é possível. Se os mais velhos perceberem que de nada serve intoxicar a juventude com as cartilhas habituais, nem acreditar que a escola a mudará, nem ainda pensar que uma imaginária "reforma de mentalidades" se encarregará disso. Se os dirigentes nacionais perceberem que são eles que estão errados, não as jovens gerações, às quais faltam oportunidades e horizontes. Se entenderem que o seu sistema político é obsoleto, que o seu sistema eleitoral é absurdo e que os seus métodos de representação estão caducos.

Como disse um grande jurista, “cada geração tem o direito de rever a Constituição”. As jovens gerações têm esse direito. Não é verdade que tudo dependa da Constituição. Nem que a sua revisão seja solução para a maior parte das nossas dificuldades. Mas a adequação, à sociedade presente, desta Constituição anacrónica, barroca e excessivamente programática afigura-se indispensável. Se tantos a invocam, se tantos a ela se referem, se tantos dela se queixam, é porque realmente está desajustada e corre o risco de ser factor de afastamento e de divisão. Ou então é letra morta, triste consolação. Uma nova Constituição, ou uma Constituição renovada, implica um novo sistema eleitoral, com o qual se estabeleçam condições de confiança, de lealdade e de responsabilidade, hoje pouco frequentes na nossa vida política. Uma nova Constituição implica um reexame das relações entre os grandes órgãos de soberania, actualmente de muito confusa configuração. Uma Constituição renovada permitirá pôr termo à permanente ameaça de governos minoritários e de Parlamentos instáveis. Uma Constituição renovada será ainda, finalmente, o ponto de partida para uma profunda reforma da Justiça portuguesa, que é actualmente uma das fontes de perigos maiores para a democracia. A liberdade necessita de Justiça, tanto quanto de eleições.

Pobre país moreno e emigrante, poderás sair desta crise se souberes exigir dos teus dirigentes que falem verdade ao povo, não escondam os factos e a realidade, cumpram a sua palavra e não se percam em demagogia!

País europeu e antiquíssimo, serás capaz de te organizar para o futuro se trabalhares e fizeres sacrifícios, mas só se exigires que os teus dirigentes políticos, sociais e económicos façam o mesmo, trabalhem para o bem comum, falem uns com os outros, se entendam sobre o essencial e não tenham sempre à cabeça das prioridades os seus grupos e os seus adeptos.

País perene e errante, que viveste na Europa e fora dela, mas que à Europa regressaste, tens de te preparar para viver com metas difíceis de alcançar, apesar de assinadas pelo Estado e por três partidos, mas tens de evitar que a isso te obrigue um governo de fora.

País do sol e do Sul, tens de aprender a trabalhar melhor e a pensar mais nos teus filhos.

País desigual e contraditório, tens diante de ti a mais difícil das tarefas, a de conciliar a eficiência com a equidade, sem o que perderás a tua humanidade. Tarefa difícil. Mas possível.

"Não podemos falhar"

Discurso do Presidente da República na Sessão Solene das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

Castelo Branco, 10 de Junho de 2011

Celebramos hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Desde que assumi funções como Presidente da República, é a primeira vez que estas celebrações se realizam numa capital de distrito do interior do País.

A escolha de Castelo Branco como cidade anfitriã destas comemorações traduz uma opção amadurecida e ponderada.

Ao longo do meu mandato, tenho procurado chamar a atenção dos Portugueses e dos decisores políticos para os grandes problemas nacionais, em torno dos quais deve existir um amplo consenso.

Para lá daquilo que nos pode dividir enquanto cidadãos livres de uma República livre, existem questões de fundo que, pela sua especial incidência no nosso futuro colectivo, devem merecer uma reflexão conjunta, feita sem preconceitos ideológicos, políticos, partidários ou de outra natureza.

Portugal é mais do que a vida dos partidos ou o ruído dos noticiários.

Considero que uma das principais funções do Presidente da República consiste, precisamente, em ver mais além do que a política do dia-a-dia.

O Presidente da República tem de escutar o povo e ser o provedor dos seus anseios e das suas inquietações.

O Presidente deve procurar colocar na agenda do debate nacional temas de grande relevo que, por vezes, são esquecidos ou menosprezados. Deve apontar linhas de rumo e caminhos de futuro que contribuam para a qualidade das políticas públicas e que devolvam aos Portugueses a esperança na construção, em comum, de um tempo melhor.

Em todas as celebrações do Dia de Portugal a que venho presidindo, tenho procurado destacar os problemas que enfrentamos, mas também as imensas potencialidades de que o País dispõe e que, com frequência, passam despercebidas ao olhar dos nossos agentes políticos e económicos e da comunicação social.


Portugueses,

Ao escolher Castelo Branco para palco destas celebrações do dia 10 de Junho, pretendo trazer o interior do País para o centro da agenda nacional, alertando para a questão das desigualdades territoriais do desenvolvimento e para os problemas da interioridade, do envelhecimento e do despovoamento de uma vasta parcela do nosso território.

Trata-se, como é sabido, de uma tendência estrutural, que não nasceu, sequer, nas últimas décadas.

As adversidades da Natureza, a que historicamente se associou o menosprezo dos poderes públicos pela realidade do interior, obrigaram gerações inteiras a deixar as suas terras, umas vezes rumo ao estrangeiro, outras concentrando-se nas grandes cidades do litoral, que cresceram de forma desmesurada e, mais ainda, desordenada.

Associados ao despovoamento, surgem não apenas problemas relacionados com o envelhecimento e com os fluxos migratórios, mas também problemas sociais e económicos, como a fragilização dos laços familiares, o desemprego e a delapidação da riqueza criada com muito trabalho e com muitos sacrifícios.

Portugal foi-se tornando um país desequilibrado, um território a duas velocidades do ponto de vista da distribuição da sua população, mas também no que toca à valorização dos seus activos e ao aproveitamento integral dos seus recursos.

O interior, que contém grandes potencialidades, nomeadamente na agricultura e no turismo, deixou de as aproveitar por uma razão muito simples: perdeu capital humano para o fazer.

As matas e os pinhais abandonados, que todos os anos servem de pasto aos incêndios estivais, são uma das provas mais visíveis desta realidade.

A instauração do regime democrático e a consolidação do poder autárquico deram um contributo essencial para limitar os efeitos mais negativos deste estado de coisas.

A adesão às Comunidades Europeias e uma gestão activa dos fundos comunitários permitiram corrigir alguns desequilíbrios, garantir acessibilidades e dotar o interior de infra-estruturas fundamentais.

No entanto, o fenómeno do despovoamento continua a agravar-se. As migrações internas da população fazem-se, agora, não apenas com destino às cidades do litoral, mas também rumo a cidades do próprio interior, que ganharam volume e dimensão.

Em muitas aldeias, permanecem apenas os mais idosos, tantas vezes deixados à solidão e ao esquecimento.

Muitos campos foram abandonados, perderam-se tradições e artes antigas, modos artesanais e autênticos de fazer as coisas, saberes e sabores do passado.

Em terras outrora povoadas de gente de todas as idades, não nascem crianças há vários anos.

Os que ficam, os que se mantêm ligados às suas origens, os que resistem à austeridade da terra, nem sempre dispõem das mesmas oportunidades dos que decidiram partir, não têm o mesmo acesso aos serviços públicos de saúde e de ensino, não possuem possibilidades de emprego idênticas às daqueles que optaram por outras paragens.

As assimetrias regionais são também assimetrias sociais, naquilo que implicam de desigualdade de oportunidades entre os cidadãos do nosso país.

Numa República que se proclama social e inclusiva, não podemos aceitar que os cidadãos sofram a desigualdade e a exclusão apenas porque vivem em lugares distintos do território.

A justiça social é, também, justiça territorial.

E, se o sentido de justiça e solidariedade não bastasse, seria importante lembrar que o desenvolvimento económico de qualquer país depende da preservação de padrões elementares de equidade. Ou seja, da promoção destes princípios de equilíbrio social e territorial depende a qualidade de vida dos habitantes do interior, mas dela também dependem as próprias perspectivas de bem-estar e de crescimento de Portugal no seu todo.

O êxodo do interior constitui um fenómeno legítimo e natural. É compreensível que os cidadãos busquem para si e para os seus filhos melhores condições de vida e, num país livre, ninguém pode ser forçado a viver onde quer que seja.

Trata-se, como referi, de um fenómeno estrutural, que não é de hoje, e que assumiu proporções difíceis de inverter. Será utópico supor que, por mero voluntarismo dos poderes públicos, conseguiremos um regresso em massa das populações ao interior do País. Temos de ser realistas, pois as ilusões pagam-se caro.

Com realismo, devemos ainda assim perceber que o progressivo despovoamento do interior, além de criar situações de injustiça, faz-nos perder potencialidades e activos que, sobretudo na actual situação do País, não podemos desperdiçar.

Redescobrir o valor do interior e do espaço rural é um imperativo de portugalidade, que devemos sublinhar neste dia, um dia de coesão e de unidade.

Hoje, 10 de Junho, não somos de facções nem de grupos. Neste dia, temos uma única característica, sermos Portugueses. Este é o dia de uma só pertença, a nossa, que é Portugal.

Devemos ter presente que o interior do País faz parte da nossa identidade colectiva enquanto nação soberana com uma História de muitos séculos.


Portugueses,

O despovoamento do interior configura-se, nos nossos dias, como um dos grandes problemas nacionais. Se percorrermos as páginas do fascinante livro «Portugal. O Sabor da Terra», escrito pelo historiador José Mattoso e pela geógrafa Suzanne Daveau, verificaremos que são amargas as expressões usadas para caracterizar a Beira interior. Falam de uma terra «adormecida», que se caracteriza pelo «isolamento».

São palavras duras, talvez excessivamente severas. Podemos reconhecer que a fisionomia geográfica desta região se mostra algo adversa para a fixação das populações e para o seu desenvolvimento.

Mas a presença humana, aqui, é um sinal de tenacidade e de força, qualidades que nem sempre foram devidamente acarinhadas pelos poderes públicos.

Está na hora de mudar de atitude, de desenvolver uma estratégia clara de revalorização do interior do País, incentivando e apoiando o espírito indomável daqueles que aqui vivem e trabalham.

Devemos, todavia, evitar dois caminhos.

Um, o mais tentador, consistiria em procurar replicar o litoral do país. Essa não é a opção correcta: o interior dispõe de uma identidade própria e é ela que lhe confere o seu carácter distintivo e original.

Assim, mais do que tentar ser uma réplica do litoral, o interior deve orgulhar-se dessa identidade, descobrir a sua vocação específica, aquela que resulta da interacção harmoniosa do Homem com o meio envolvente.

A geografia não se muda, valoriza-se. A interioridade impõe-se como uma condição de algum modo inapelável, em que os moradores destas terras devem aprender a viver e têm de saber desfrutar como marca diferenciadora do lugar que habitam.

Outra opção errada, e para mais irrealista, consistiria em julgar que é possível regressarmos a um passado que já passou.

Devemos preservar tradições e manter os vestígios da memória, salvaguardar o património material e imaterial que nos legaram. Mas é utópico pensar que o desenvolvimento de uma região e o bem-estar das suas populações podem assentar na nostalgia de um tempo que não irá retornar.

No interior, impõe-se tirar partido das potencialidades e das riquezas que só aqui existem.

O papel prioritário na valorização destes activos cabe às autarquias, às empresas e aos empreendedores locais. São eles, melhor do que ninguém, que conhecem os recursos existentes, as vantagens relativas de que dispõem e a realidade económica e social que os rodeia.

Esta responsabilidade dos agentes locais é particularmente acentuada na actual conjuntura, face ao aumento do desemprego e dos riscos de pobreza e de exclusão social.

As autarquias, consolidada que está a fase de construção de equipamentos e de infra-estruturas, são agora chamadas a desempenhar funções de valorização económica das suas regiões e dos seus recursos.

Os poderes autárquicos possuem, para mais, uma natural proximidade aos problemas e às necessidades reais das populações. A política de proximidade é a melhor chave para vencer o distanciamento da interioridade.

Os autarcas do interior, que saúdo nesta ocasião solene, são pois chamados a desempenhar um papel insubstituível.

Congratulo-me por saber que, na sua esmagadora maioria, os autarcas assumiram já que é no incentivo ao desenvolvimento económico sustentado e no apoio social aos mais carenciados que se deve situar, agora, a prioridade dos seus esforços.

O desafio do fortalecimento da capacidade produtiva do interior não é tarefa fácil.

Justifica-se um incentivo especial das políticas públicas a favor das empresas que aqui se fixam e criam riqueza.

Às autarquias cabe um papel fundamental no apoio às pequenas e médias empresas competitivas e no fomento das iniciativas inovadoras e do espírito empreendedor a nível local.

Há que dar uma especial atenção ao mundo rural. Ninguém pense que Portugal pode ser um país auto-suficiente do ponto de vista agro-alimentar. Aliás, nunca o foi ao longo da sua História.

No seio da União Europeia e no quadro de uma economia global, a ideia de auto-suficiência alimentar cria o risco de perdermos de vista o essencial: especializarmo-nos na produção de bens com valor de exportação, ou seja, de produtos que, pela sua especificidade, possam concorrer em mercados competitivos, em que os consumidores são de uma grande exigência no que se refere à qualidade e à diversidade da oferta.

Temos, pois, que produzir mais e melhor, mas sobretudo que produzir diferente, tirando partido das condições favoráveis do nosso clima.

Devemos apostar naquilo que nos diferencia face à produção dos nossos parceiros.

Portugal importa hoje cerca de 6 mil milhões de euros de bens agrícolas para consumo, sendo que as nossas exportações chegam apenas aos 3 mil milhões de euros.

Um défice alimentar destas dimensões não tem razão de ser num país como o nosso. Esta situação não pode continuar. Temos de desenvolver um programa de repovoamento agrário do interior, criando oportunidades de sucesso para jovens agricultores.

No contexto de uma economia rural integrada, a floresta desempenha um papel essencial como fonte de desenvolvimento local. Dispomos, neste domínio, de enormes potencialidades, que devemos saber explorar melhor, de forma mais sistemática e ordenada através de uma gestão sustentável dos recursos florestais.


Portugueses,

O interior encontra-se ligado ao resto do país por um conjunto de acessibilidades que, de um modo geral, é suficiente. As noções de periferia e de distância têm vindo a perder sentido num território que possui uma dimensão relativamente reduzida, com menos de duzentos quilómetros a separar o litoral do interior.

É possível fazer das cidades do interior de média dimensão pólos de desenvolvimento regional. Para o efeito, as cidades médias terão de actuar em rede, fazer trabalho em comum, ao invés de se fecharem sobre si próprias e cultivarem rivalidades ancestrais.

A interacção das cidades médias, que deve contar com a cooperação do poder central, terá de orientar-se num movimento de duplo sentido.

Na vertical, explorando o eixo que corre ao longo da fronteira e que beneficia da sua proximidade com o país vizinho. Sendo que, numa perspectiva horizontal, as cidades médias podem facilmente projectar-se no litoral e aí colocar a sua oferta, seja para o mercado interno, seja rumo às exportações.

Importa, no entanto, não repetir erros cometidos noutras parcelas do País. O interior tem de ser um espaço em que a tradição, a Natureza e a presença humana convivam de forma harmoniosa e equilibrada.

Deste modo, as cidades médias podem afirmar-se como espaços de qualidade de vida, dotados de infra-estruturas e com uma proximidade ao meio natural que não existe noutras zonas do território.

A par disso, há que fomentar a criação de redes de apoio ao turismo de qualidade, merecendo realce iniciativas como as Aldeias Históricas e as Aldeias do Xisto.

A promoção das condições naturais, do património histórico-cultural, da gastronomia ou dos produtos tradicionais constituem elementos-chave para dinamizar novas formas de turismo, que procuram, em cada região, aquilo que esta tem de específico para oferecer.

O facto de o interior do País não ter sido afectado pela vaga do turismo de massas e pela urbanização desordenada constitui um activo que autarcas e empresários têm de saber aproveitar.

A principal potencialidade do interior está, no entanto, no espírito que caracteriza as suas populações, as gentes desta terra. A garra indomável e a força de vontade dos Portugueses do interior devem servir de exemplo inspirador para todos nós. A sua frugalidade e o seu espírito de sacrifício são modelos que devemos seguir num tempo em que a fibra e a determinação dos Portugueses estão a ser postas à prova. Não podemos falhar. Os custos seriam incalculáveis. Assumimos compromissos perante o exterior e honramo-nos de não faltar à palavra dada.

É dessa fibra que é feito o nosso orgulho.

Não nos deixámos vencer pela geografia. Pelo contrário, soubemos usá-la em nosso proveito, transformando aquilo que à partida era uma desvantagem – o facto de estarmos num extremo da Europa – numa vantagem que nos abriu as portas do Atlântico. Numa página admirável, Mestre Orlando Ribeiro escreveu:

«Na posição do território está contido um destino: isolado na periferia do mundo antigo, numa nesga de chão em grande parte bravio e ingrato, coube ao Português o papel de pioneiro do mundo moderno. Não se limitou porém a indicar um caminho: afoitando-se por ele, deixou marcas da sua presença inscritas na terra de quatro continentes».

Assim termina Orlando Ribeiro o seu livro «Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico». Soubemos, na verdade, tornar a periferia num caminho de futuro.

Aqui, em Castelo Branco, poderemos buscar no exemplo dos Portugueses do interior a inspiração de que precisamos para, uma vez mais, fazer das fraquezas forças e transformar as adversidades em oportunidades.

Entre a aridez das pedras e a verdura dos pinhais, o interior do País pode ser uma metáfora de Portugal inteiro.

É Portugal inteiro que tem de se erguer nesta hora decisiva. Um tempo de sacrifícios, de grandes responsabilidades.

Não podemos falhar.

É nestas alturas que se vê a alma de um povo.

Obrigado.



http://www.presidencia.pt/?idc=21&idi=54669

quarta-feira, 1 de junho de 2011