sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Querido Diário. "Descobri que a solidão produz um ruído que pode ou não ser silêncio. Não é um ruído qualquer, é este que oiço agora. Quando, mesmo em algazarra, nos voltamos para dentro. Apita qualquer coisa que ainda não decifrei. Tem uma música própria ou uma não-música. É um som aterrador e por isso fogem dele. Largam-se filhos e cônjuges, larga-se a própria casa para não o ouvir. Chega-se a morrer, chega-se a matar. Também há os que se sentam a ouvi-lo e nunca mais se levantam. Vicia - ah, se vicia! Há duas coisas que não sei perceber nos outros. Quer dizer: duas entre muitas. A Fé e este silêncio. Muitos acreditam em Deus, mas não acredito que acreditem - já viram como é difícil ter Fé? Bastará dizer «tenho fé» e agir como tal? No fundo, no fundo, quantos acreditam? Os que vão a Fátima a pé? Os que vão à missa? Os que acreditam na reencarnação? Os que se voltam para Deus na tristeza ou na alegria? Não. Não pode ser por aí. Sou desconfiada nestas coisas, sempre fui. É como este sonido. Também não acredito que muita gente o oiça. Sobretudo porque não tem cor nem forma nem decibel. É um som inaudível, ou seja, que escapa ao aparelho auditivo. As pessoas agem como se o ouvissem, mas não ouvem, apenas o pressentem. Eu oiço, eu identifico, digo «lá está ele, outra vez». Chega a meio de um jantar, no cabeleireiro, na escrita ou na leitura. Não faz de mim uma pessoa especial, pelo contrário: apenas duas vezes solitária. Os maçons reconhecem-se entre si por um certo aperto de mão, os gay por códigos subtis. Eu julgo reconhecer quem ouve este som, mas não tenho a certeza e isso inquieta. Não quero perder tempo com mais ninguém. Quero a minha família humana toda reunida, quero dar-me com quem escuta este som. Pode estar-se sozinha ou acompanhada, pode estar-se com amigos íntimos. Toca várias vezes ao dia e também várias vezes ao dia deixamos de o ouvir. Vou passar a apontar, escrever num caderno: o que o faz vibrar, quem o faz vibrar. E o que o cala ou quem o cala. Não basta dizer que se tem solidão, é mais do que isso. É uma habilitação, é uma condição, é uma condenação. É quente, azul-escuro, envolvente e acabrunhante. E pesa arrobas, dobra-nos as costas, flecte-nos as pernas. Trágico e belo, como eu e só eu vejo o diabo - ouvem-no?" RF
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