ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO
O enfarte agudo do miocárdio é uma urgência médica na qual parte do fluxo sanguíneo que chega ao coração se vê reduzida ou interrompida de maneira brusca e grave e, como consequência, produz-se uma destruição (morte) do músculo cardíaco (miocárdio) por falta de oxigénio.
Algumas pessoas usam o termo «ataque cardíaco» de uma forma ampla, aplicando-o a outras doenças ca...rdíacas. Mas neste capítulo, o termo refere-se especificamente a um enfarte do miocárdio.
CAUSAS
O enfarte agudo de miocárdio ocorre geralmente quando a obstrução de uma artéria coronária restringe gravemente ou interrompe o fornecimento de sangue a uma região do coração. Se o fornecimento é interrompido ou reduzido significativamente durante mais do que alguns minutos, o tecido cardíaco é destruído.
A capacidade do coração para continuar a bombear depois de um ataque cardíaco depende directamente da extensão e da localização do tecido lesionado (enfarte). Devido ao facto de cada artéria coronária alimentar uma determinada secção do coração, a localização da lesão depende da artéria obstruída. Se a lesão afecta mais de metade do tecido cardíaco, o coração, geralmente, não pode funcionar e é provável que se verifique uma incapacidade grave ou a morte. Mesmo quando a lesão é menos extensa, o coração pode não ser capaz de bombear adequadamente; produz-se, então, uma insuficiência cardíaca ou um choque (que é um quadro ainda mais grave). O coração lesionado pode dilatar-se, em parte para compensar a diminuição da capacidade de bombeamento (um coração maior bate mais energicamente). O aumento de volume pode também reflectir a própria lesão do músculo cardíaco. Quando, depois de um enfarte, o coração se dilata, o prognóstico é pior do que quando o coração conserva o seu tamanho normal.
A causa mais frequente de obstrução de uma artéria coronária é um coágulo sanguíneo. Geralmente, a artéria já está parcialmente estreitada por ateromas. Um ateroma pode rebentar ou rasgar-se e criar mais obstrução, o que provoca a formação de um coágulo. O ateroma rebentado não só diminui o fluxo de sangue através de uma artéria, mas também faz com que as plaquetas se tornem mais aderentes e isso aumenta ainda mais a formação de coágulos.
Uma causa não frequente de enfarte é um coágulo que provenha do próprio coração. Às vezes, forma-se no coração um coágulo (êmbolo), que se desprende e se fixa numa artéria coronária. Outra causa não frequente é um espasmo de uma artéria coronária que interrompa o fluxo sanguíneo. Os espasmos podem ser causados por drogas como a cocaína ou pelo consumo de tabaco, mas às vezes a causa é desconhecida.
SINTOMAS
Aproximadamente duas em cada três pessoas que têm enfarte referem ter tido angina de peito intermitente, dispneia (falta de ar) ou fadiga poucos dias antes. Os episódios de dor podem tornar-se mais frequentes, inclusive com um esforço físico cada vez menor. A angina instável pode acabar num enfarte.
De um modo geral, o sintoma mais típico é a dor no meio do peito que se estende às costas, ao maxilar, ao braço esquerdo ou, com menor frequência, ao braço direito. A dor pode aparecer numa ou em várias destas localizações e, pelo contrário, não no peito.
A dor de um enfarte é semelhante à da angina de peito, mas é,
geralmente, mais intensa, dura mais tempo e não se acalma com o repouso ou com a administração de nitroglicerina.
Com menos frequência, a dor sente-se no abdómen e pode confundir-se com uma indigestão, sobretudo porque o arroto pode aliviá-la de forma parcial ou transitória.
Outros sintomas incluem uma sensação de desfalecimento e de um forte martelar do coração. Os batimentos irregulares (arritmias) podem interferir gravemente com a capacidade de bombeamento do coração ou provocar a interrupção do mesmo (paragem cardíaca), conduzindo à perda de consciência ou à morte.
Durante um enfarte, o doente pode sentir-se inquieto, suado, ansioso e experimentar uma sensação de morte iminente. Há casos em que os lábios, as mãos ou os pés se tornam ligeiramente azuis (cianose). Também pode observar-se desorientação nos idosos.
Apesar de todos estes possíveis sintomas, uma em cada cinco pessoas que sofrem um enfarte até têm sintomas ligeiros ou mesmo absolutamente nenhum. Pode acontecer que este enfarte silencioso só seja detectado algum tempo depois, ao efectuar-se um electrocardiograma (ECG) por qualquer outro motivo.
DIAGNÓSTICO
Quando um homem com mais de 35 anos ou uma mulher com mais de 50 apresentam uma dor no peito, o médico considera, habitualmente, a possibilidade de um enfarte. Mas vários outros quadros podem produzir uma dor semelhante: uma pneumonia, um coágulo no pulmão (embolia pulmonar), a inflamação da membrana que rodeia o coração (pericardite), uma fractura de costela, um espasmo do esófago, uma indigestão ou dor nos músculos do peito depois de uma lesão ou de um esforço.
Um ECG e certas análises de sangue confirmam, de um modo geral, o diagnóstico de enfarte em algumas horas.
O ECG é o exame diagnóstico inicial mais importante quando se suspeita de um enfarte agudo de miocárdio. Em muitos casos, mostra imediatamente que uma pessoa está a ter um enfarte. Segundo o tamanho e a localização da lesão do músculo cardíaco, podem ver-se diferentes anomalias no ECG. No caso de perturbações cardíacas prévias que tenham alterado o ECG, a lesão em curso será mais difícil de detectar. Se vários ECG efectuados no decorrer de várias horas forem normais, é improvável que se trate de um enfarte, embora algumas análises de sangue e outros exames possam ajudar a determinar o diagnóstico.
A medição das concentrações de certos enzimas no sangue é útil para diagnosticar um enfarte. O enzima CK-MB encontra-se normalmente no músculo cardíaco e, quando este se lesiona, é libertado para o sangue. Às 6 horas de um enfarte já se detectam concentrações elevadas no sangue e persistem durante um período de 36 a 48 horas. As concentrações deste enzima determinam-se no momento da entrada no hospital e depois durante 6 a 8 horas durante as 24 horas seguintes.
Outras enzimas e marcadores podem estar alterados, tais como a troponina e LDH.
Quando o ECG e a determinação de CK-MB não proporcionam informação suficiente, pode efectuar-se um ecocardiograma ou um estudo radioisotópico. Os ecocardiogramas podem mostrar uma redução da mobilidade de uma parte da parede ventricular esquerda (a cavidade do coração que bombeia o sangue para o corpo), o que sugere uma lesão por enfarte. As imagens com isótopos radioactivos podem evidenciar uma redução persistente do fluxo de sangue numa região do músculo cardíaco, o que sugere a existência de uma cicatriz (tecido morto) causada por um enfarte.
TRATAMENTO
Um enfarte agudo do miocárdio é uma urgência médica. Metade das mortes por enfarte ocorrem nas primeiras 3 ou 4 horas após o começo dos sintomas. Quanto mais cedo se iniciar o tratamento, maiores serão as probabilidades de sobrevivência. Qualquer pessoa que tenha sintomas que sugiram um enfarte deverá consultar um médico imediatamente.
De modo geral, a pessoa com um presumível enfarte costuma entrar num hospital equipado com uma unidade coronária. A frequência cardíaca, a pressão arterial e o oxigénio no sangue são atentamente vigiados para avaliar o grau de dano ao coração. O pessoal de enfermaria destas unidades está especialmente treinado para assistir os doentes com perturbações cardíacas e para tratar as urgências cardíacas.
TRATAMENTO INICIAL
Administra-se, geralmente, de imediato um comprimido mastigável de aspirina. Esta terapia aumenta as probabilidades de sobrevivência ao reduzir o coágulo na artéria coronária. Devido ao facto de a diminuição do trabalho do coração contribuir também para limitar a lesão, administra-se um betabloqueador para retardar a frequência cardíaca e, ao mesmo tempo, conseguir que o coração tenha de se esforçar menos para bombear o sangue para todo o organismo.
Muitas vezes, administra-se oxigénio através de uma máscara ou de um tubo com as extremidades introduzidas nas fossas nasais. Esta terapia aumenta a pressão do oxigénio no sangue, o que proporciona mais oxigénio ao coração e permite que a lesão do tecido cardíaco seja limitada o mais possível.
Se se eliminar a obstrução da artéria coronária rapidamente, pode salvar-se o tecido cardíaco. Para conseguir este objectivo, tenta-se, amiudadas vezes, a dissolução dos coágulos sanguíneos numa artéria através de um tratamento trombolítico; este compreende a utilização de fármacos como a estreptoquinase, a uroquinase ou o activador tecidular do plasminógeno. Para serem eficazes, os fármacos devem ser administrados por via endovenosa nas primeiras 6 horas a partir do início dos sintomas de enfarte. Depois deste tempo, algumas lesões já são permanentes, e por isso a reperfusão da artéria provavelmente já não será útil. O tratamento precoce aumenta o fluxo de sangue em 60 % a 80 % dos casos e permite que a lesão do tecido cardíaco seja mínima. A aspirina, que evita que as plaquetas formem coágulos sanguíneos, ou a heparina, que também interrompe a coagulação, podem aumentar a eficácia do tratamento trombolítico.
Devido ao facto de a terapia trombolítica poder causar hemorragias, não se administra geralmente às pessoas que têm hemorragia gastrointestinal, hipertensão grave, um AVC recente ou às que se submeteram a uma operação cirúrgica durante o mês anterior ao enfarte. As pessoas de idade avançada que não sofrem de nenhuma destas afecções também podem submeter-se com segurança a este tratamento.
Alguns centros especializados no tratamento cardiovascular utilizam a angioplastia ou a cirurgia de derivação (bypass) das artérias coronárias imediatamente depois do enfarte, em vez de administrarem fármacos trombolíticos.
Se os fármacos utilizados para aumentar o fluxo sanguíneo das artérias coronárias não aliviam também a dor e o mal-estar do doente, injecta-se morfina. Este fármaco tem um efeito calmante e reduz o trabalho do coração. A nitroglicerina pode acalmar a dor, ao reduzir o trabalho do coração; geralmente, num primeiro momento, é administrada por via endovenosa.
TRATAMENTO POSTERIOR
Devido ao facto de a excitação, o esforço físico e o mal-estar emocional submeterem o coração ao stress e fazerem-no trabalhar mais intensamente, a pessoa que acaba de ter um enfarte deverá ficar em repouso num quarto tranquilo durante alguns dias. As visitas costumam limitar-se a membros da família e amigos íntimos. Pode ver-se televisão sempre e quando os programas não provocarem stress. Dado que fumar é o principal factor de risco para a doença das artérias coronárias e o enfarte, em quase todos os hospitais é proibido fumar e em especial nas unidades coronárias. Além disso, um enfarte é uma razão convincente para abandonar esse hábito.
Os enemas intestinais e os laxantes suaves podem utilizar-se para evitar a obstipação. Se a pessoa não puder urinar ou, então, se se tiver de controlar a quantidade de urina produzida, utiliza-se uma sonda vesical.
O nervosismo e a depressão são frequentes após um enfarte. Dado que um grande nervosismo pode aumentar a actividade do coração, pode administrar-se um tranquilizante fraco. Para fazer frente a uma depressão ligeira e a uma negação da doença, que são frequentes depois de se sofrer um enfarte, é conveniente que os doentes e os seus familiares e amigos falem de tudo o que os preocupa com os médicos, enfermeiros, assistentes sociais e outros terapeutas.
Os fármacos denominados inibidores do enzima conversor da angiotensina (ECA) podem reduzir o aumento do tamanho do coração em muitos doentes que sofrem de enfarte. Por conseguinte, estes medicamentos administram-se sistematicamente aos doentes poucos dias depois do enfarte.
PROGNÓSTICO E PREVENÇÃO
As pessoas que sobrevivem alguns dias após um enfarte, geralmente, podem esperar um restabelecimento completo, embora 10 % faleçam antes de decorrer um ano. As mortes verificam-se, habitualmente, nos primeiros 3 ou 4 meses, tipicamente em doentes que continuam a ter angina de peito, arritmias ventriculares e insuficiência cardíaca.
Para avaliar se uma pessoa terá mais perturbações cardíacas no futuro ou se necessitará de um tratamento adicional, podem levar-se a cabo alguns exames. Por exemplo, pode utilizar-se um monitor Holter para registar um ECG durante 24 horas, com o qual o médico poderá detectar se se produzem arritmias ou episódios de isquemia silenciosa. Uma prova de esforço (na qual o doente corre sobre um passadeira rolante enquanto se regista um ECG) antes ou pouco depois da alta do hospital pode contribuir para determinar o estado do coração após o enfarte e se a isquemia continua. Se estes exames revelarem a presença de arritmias ou de isquemia, é aconselhável um tratamento farmacológico. Se a isquemia persistir, pode efectuar-se uma arteriografia coronária para avaliar a possibilidade de uma angioplastia ou de uma operação de derivação (bypass) para restabelecer o fluxo sanguíneo no coração.
Após um enfarte de miocárdio, muitos médicos aconselham que se tome um comprimido de aspirina infantil, metade de um comprimido para adultos ou um comprimido completo para adultos. Uma vez que a aspirina evita que as plaquetas formem coágulos, reduz também o risco de morte e o risco de um segundo enfarte em 15 % a 30 %. As pessoas com alergia à aspirina podem tomar ticlopidina ou clopidogrel. Também se prescrevem betabloqueadores porque diminuem o risco de morte em 25 %. Quanto mais grave é o enfarte, mais benefícios se obterão da administração destes fármacos. No entanto, algumas pessoas não toleram os efeitos secundários e tão-pouco se obtêm efeitos benéficos em todos os casos.
A REABILITAÇÃO
A reabilitação cardíaca é uma parte importante do restabelecimento. O repouso na cama durante mais de 2 ou 3 dias provoca uma deterioração física rápida e às vezes depressão e uma sensação de desamparo. Salvo complicações, os doentes com um enfarte, geralmente melhoram progressivamente e podem, passados dois ou três dias, sentar-se, fazer exercícios passivos, caminhar até ao banho e fazer trabalhos leves e ler. Geralmente, no fim de uma semana ou antes é dada alta aos doentes.
Nas 3 a 6 semanas seguintes, a pessoa deverá aumentar, paulatinamente, a actividade. A maioria pode retomar a actividade sexual sem perigo uma ou duas semanas depois de ter alta. Se não se verificarem dispneia nem dor no peito, as actividades normais podem ser retomadas ao fim de 6 semanas.
Depois de um enfarte do coração, o médico e o doente deverão falar sobre os factores de risco que contribuem para a doença das artérias coronárias, sobretudo aqueles que o doente pode mudar. Deixar de fumar, reduzir o peso, controlar a pressão arterial, reduzir os valores sanguíneos do colesterol com uma dieta ou com medicamentação e efectuar exercícios aeróbicos diariamente são medidas que diminuem o risco de sofrer de uma doença das artérias coronárias.
COMPLICAÇÕES DE ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO
Uma pessoa que sofre um enfarte pode experimentar alguma das complicações seguintes: ruptura do miocárdio, coágulos sanguíneos, insuficiência cardíaca, choque, arritmias ou pericardite.
Ruptura do miocárdio Devido à debilidade do músculo cardíaco lesionado, às vezes rompe-se pela pressão da própria actividade do coração ao contrair-se. Há duas partes do coração particularmente susceptíveis de ruptura durante depois de um enfarte: a parede do músculo cardíaco e os músculos que controlam a abertura e o fecho da válvula mitral. Se estes músculos se rompem, a válvula não pode funcionar e o resultado é uma insuficiência cardíaca grave e repentina.
O músculo cardíaco pode romper-se na parede que separa os dois ventrículos (septo ou septum) ou na parede cardíaca externa. Embora as rupturas do septo possam ser reparadas cirurgicamente, as da parede externa têm quase sempre um desfecho mortal rápido.
Uma perturbação mais frequente é a contracção inadequada do músculo cardíaco lesionado por um enfarte, mesmo quando não tenha sido lacerado ou rompido. O músculo danificado é substituído por um tecido fibroso (cicatriz) que se contrai muito pouco ou não se contrai de todo. Por vezes, parte da parede cardíaca expande-se ou sobressai quando deveria contrair-se. Os inibidores do enzima de conversão da angiotensina (ECA) reduzem a extensão destas zonas anormais.
O músculo danificado pode converter-se numa leve protuberância (aneurisma) na parede cardíaca. Embora se possa suspeitar de um aneurisma a partir dos resultados anómalos de um electrocardiograma (ECG), é necessário um ecocardiograma para confirmar o diagnóstico.
Estes aneurismas não se rompem, mas podem causar episódios de arritmia e diminuir a capacidade de bombeamento do coração.
Uma vez que o sangue flui mais lentamente através dos aneurismas, podem formar-se coágulos sanguíneos nas cavidades cardíacas.
Coágulos sanguíneos Formam-se coágulos no coração em 20% a 60% dos casos de enfarte. Em cerca de 5% dos afectados, podem desprender-se partes desses coágulos, deslocar-se pelas artérias, fixar-se nos pequenos vasos sanguíneos por todo o corpo e, por consequência, obstruir o fornecimento de sangue a uma parte do cérebro (causando um AVC) ou a outros orgãos.
Um ecocardiograma pode detectar coágulos que se estão a formar no coração ou facilitar a avaliação dos factores de predisposição, com uma zona do ventrículo esquerdo cuja contracção seja pouco eficaz. Administram-se, frequentemente, anticoagulantes como a heparina e a varfarina para evitar a formação do coágulos. Habitualmente, continua-se o tratamento durante 3 a 6 meses depois do enfarte agudo miocárdio.
O enfarte agudo do miocárdio é uma urgência médica na qual parte do fluxo sanguíneo que chega ao coração se vê reduzida ou interrompida de maneira brusca e grave e, como consequência, produz-se uma destruição (morte) do músculo cardíaco (miocárdio) por falta de oxigénio.
Algumas pessoas usam o termo «ataque cardíaco» de uma forma ampla, aplicando-o a outras doenças ca...rdíacas. Mas neste capítulo, o termo refere-se especificamente a um enfarte do miocárdio.
CAUSAS
O enfarte agudo de miocárdio ocorre geralmente quando a obstrução de uma artéria coronária restringe gravemente ou interrompe o fornecimento de sangue a uma região do coração. Se o fornecimento é interrompido ou reduzido significativamente durante mais do que alguns minutos, o tecido cardíaco é destruído.
A capacidade do coração para continuar a bombear depois de um ataque cardíaco depende directamente da extensão e da localização do tecido lesionado (enfarte). Devido ao facto de cada artéria coronária alimentar uma determinada secção do coração, a localização da lesão depende da artéria obstruída. Se a lesão afecta mais de metade do tecido cardíaco, o coração, geralmente, não pode funcionar e é provável que se verifique uma incapacidade grave ou a morte. Mesmo quando a lesão é menos extensa, o coração pode não ser capaz de bombear adequadamente; produz-se, então, uma insuficiência cardíaca ou um choque (que é um quadro ainda mais grave). O coração lesionado pode dilatar-se, em parte para compensar a diminuição da capacidade de bombeamento (um coração maior bate mais energicamente). O aumento de volume pode também reflectir a própria lesão do músculo cardíaco. Quando, depois de um enfarte, o coração se dilata, o prognóstico é pior do que quando o coração conserva o seu tamanho normal.
A causa mais frequente de obstrução de uma artéria coronária é um coágulo sanguíneo. Geralmente, a artéria já está parcialmente estreitada por ateromas. Um ateroma pode rebentar ou rasgar-se e criar mais obstrução, o que provoca a formação de um coágulo. O ateroma rebentado não só diminui o fluxo de sangue através de uma artéria, mas também faz com que as plaquetas se tornem mais aderentes e isso aumenta ainda mais a formação de coágulos.
Uma causa não frequente de enfarte é um coágulo que provenha do próprio coração. Às vezes, forma-se no coração um coágulo (êmbolo), que se desprende e se fixa numa artéria coronária. Outra causa não frequente é um espasmo de uma artéria coronária que interrompa o fluxo sanguíneo. Os espasmos podem ser causados por drogas como a cocaína ou pelo consumo de tabaco, mas às vezes a causa é desconhecida.
SINTOMAS
Aproximadamente duas em cada três pessoas que têm enfarte referem ter tido angina de peito intermitente, dispneia (falta de ar) ou fadiga poucos dias antes. Os episódios de dor podem tornar-se mais frequentes, inclusive com um esforço físico cada vez menor. A angina instável pode acabar num enfarte.
De um modo geral, o sintoma mais típico é a dor no meio do peito que se estende às costas, ao maxilar, ao braço esquerdo ou, com menor frequência, ao braço direito. A dor pode aparecer numa ou em várias destas localizações e, pelo contrário, não no peito.
A dor de um enfarte é semelhante à da angina de peito, mas é,
geralmente, mais intensa, dura mais tempo e não se acalma com o repouso ou com a administração de nitroglicerina.
Com menos frequência, a dor sente-se no abdómen e pode confundir-se com uma indigestão, sobretudo porque o arroto pode aliviá-la de forma parcial ou transitória.
Outros sintomas incluem uma sensação de desfalecimento e de um forte martelar do coração. Os batimentos irregulares (arritmias) podem interferir gravemente com a capacidade de bombeamento do coração ou provocar a interrupção do mesmo (paragem cardíaca), conduzindo à perda de consciência ou à morte.
Durante um enfarte, o doente pode sentir-se inquieto, suado, ansioso e experimentar uma sensação de morte iminente. Há casos em que os lábios, as mãos ou os pés se tornam ligeiramente azuis (cianose). Também pode observar-se desorientação nos idosos.
Apesar de todos estes possíveis sintomas, uma em cada cinco pessoas que sofrem um enfarte até têm sintomas ligeiros ou mesmo absolutamente nenhum. Pode acontecer que este enfarte silencioso só seja detectado algum tempo depois, ao efectuar-se um electrocardiograma (ECG) por qualquer outro motivo.
DIAGNÓSTICO
Quando um homem com mais de 35 anos ou uma mulher com mais de 50 apresentam uma dor no peito, o médico considera, habitualmente, a possibilidade de um enfarte. Mas vários outros quadros podem produzir uma dor semelhante: uma pneumonia, um coágulo no pulmão (embolia pulmonar), a inflamação da membrana que rodeia o coração (pericardite), uma fractura de costela, um espasmo do esófago, uma indigestão ou dor nos músculos do peito depois de uma lesão ou de um esforço.
Um ECG e certas análises de sangue confirmam, de um modo geral, o diagnóstico de enfarte em algumas horas.
O ECG é o exame diagnóstico inicial mais importante quando se suspeita de um enfarte agudo de miocárdio. Em muitos casos, mostra imediatamente que uma pessoa está a ter um enfarte. Segundo o tamanho e a localização da lesão do músculo cardíaco, podem ver-se diferentes anomalias no ECG. No caso de perturbações cardíacas prévias que tenham alterado o ECG, a lesão em curso será mais difícil de detectar. Se vários ECG efectuados no decorrer de várias horas forem normais, é improvável que se trate de um enfarte, embora algumas análises de sangue e outros exames possam ajudar a determinar o diagnóstico.
A medição das concentrações de certos enzimas no sangue é útil para diagnosticar um enfarte. O enzima CK-MB encontra-se normalmente no músculo cardíaco e, quando este se lesiona, é libertado para o sangue. Às 6 horas de um enfarte já se detectam concentrações elevadas no sangue e persistem durante um período de 36 a 48 horas. As concentrações deste enzima determinam-se no momento da entrada no hospital e depois durante 6 a 8 horas durante as 24 horas seguintes.
Outras enzimas e marcadores podem estar alterados, tais como a troponina e LDH.
Quando o ECG e a determinação de CK-MB não proporcionam informação suficiente, pode efectuar-se um ecocardiograma ou um estudo radioisotópico. Os ecocardiogramas podem mostrar uma redução da mobilidade de uma parte da parede ventricular esquerda (a cavidade do coração que bombeia o sangue para o corpo), o que sugere uma lesão por enfarte. As imagens com isótopos radioactivos podem evidenciar uma redução persistente do fluxo de sangue numa região do músculo cardíaco, o que sugere a existência de uma cicatriz (tecido morto) causada por um enfarte.
TRATAMENTO
Um enfarte agudo do miocárdio é uma urgência médica. Metade das mortes por enfarte ocorrem nas primeiras 3 ou 4 horas após o começo dos sintomas. Quanto mais cedo se iniciar o tratamento, maiores serão as probabilidades de sobrevivência. Qualquer pessoa que tenha sintomas que sugiram um enfarte deverá consultar um médico imediatamente.
De modo geral, a pessoa com um presumível enfarte costuma entrar num hospital equipado com uma unidade coronária. A frequência cardíaca, a pressão arterial e o oxigénio no sangue são atentamente vigiados para avaliar o grau de dano ao coração. O pessoal de enfermaria destas unidades está especialmente treinado para assistir os doentes com perturbações cardíacas e para tratar as urgências cardíacas.
TRATAMENTO INICIAL
Administra-se, geralmente, de imediato um comprimido mastigável de aspirina. Esta terapia aumenta as probabilidades de sobrevivência ao reduzir o coágulo na artéria coronária. Devido ao facto de a diminuição do trabalho do coração contribuir também para limitar a lesão, administra-se um betabloqueador para retardar a frequência cardíaca e, ao mesmo tempo, conseguir que o coração tenha de se esforçar menos para bombear o sangue para todo o organismo.
Muitas vezes, administra-se oxigénio através de uma máscara ou de um tubo com as extremidades introduzidas nas fossas nasais. Esta terapia aumenta a pressão do oxigénio no sangue, o que proporciona mais oxigénio ao coração e permite que a lesão do tecido cardíaco seja limitada o mais possível.
Se se eliminar a obstrução da artéria coronária rapidamente, pode salvar-se o tecido cardíaco. Para conseguir este objectivo, tenta-se, amiudadas vezes, a dissolução dos coágulos sanguíneos numa artéria através de um tratamento trombolítico; este compreende a utilização de fármacos como a estreptoquinase, a uroquinase ou o activador tecidular do plasminógeno. Para serem eficazes, os fármacos devem ser administrados por via endovenosa nas primeiras 6 horas a partir do início dos sintomas de enfarte. Depois deste tempo, algumas lesões já são permanentes, e por isso a reperfusão da artéria provavelmente já não será útil. O tratamento precoce aumenta o fluxo de sangue em 60 % a 80 % dos casos e permite que a lesão do tecido cardíaco seja mínima. A aspirina, que evita que as plaquetas formem coágulos sanguíneos, ou a heparina, que também interrompe a coagulação, podem aumentar a eficácia do tratamento trombolítico.
Devido ao facto de a terapia trombolítica poder causar hemorragias, não se administra geralmente às pessoas que têm hemorragia gastrointestinal, hipertensão grave, um AVC recente ou às que se submeteram a uma operação cirúrgica durante o mês anterior ao enfarte. As pessoas de idade avançada que não sofrem de nenhuma destas afecções também podem submeter-se com segurança a este tratamento.
Alguns centros especializados no tratamento cardiovascular utilizam a angioplastia ou a cirurgia de derivação (bypass) das artérias coronárias imediatamente depois do enfarte, em vez de administrarem fármacos trombolíticos.
Se os fármacos utilizados para aumentar o fluxo sanguíneo das artérias coronárias não aliviam também a dor e o mal-estar do doente, injecta-se morfina. Este fármaco tem um efeito calmante e reduz o trabalho do coração. A nitroglicerina pode acalmar a dor, ao reduzir o trabalho do coração; geralmente, num primeiro momento, é administrada por via endovenosa.
TRATAMENTO POSTERIOR
Devido ao facto de a excitação, o esforço físico e o mal-estar emocional submeterem o coração ao stress e fazerem-no trabalhar mais intensamente, a pessoa que acaba de ter um enfarte deverá ficar em repouso num quarto tranquilo durante alguns dias. As visitas costumam limitar-se a membros da família e amigos íntimos. Pode ver-se televisão sempre e quando os programas não provocarem stress. Dado que fumar é o principal factor de risco para a doença das artérias coronárias e o enfarte, em quase todos os hospitais é proibido fumar e em especial nas unidades coronárias. Além disso, um enfarte é uma razão convincente para abandonar esse hábito.
Os enemas intestinais e os laxantes suaves podem utilizar-se para evitar a obstipação. Se a pessoa não puder urinar ou, então, se se tiver de controlar a quantidade de urina produzida, utiliza-se uma sonda vesical.
O nervosismo e a depressão são frequentes após um enfarte. Dado que um grande nervosismo pode aumentar a actividade do coração, pode administrar-se um tranquilizante fraco. Para fazer frente a uma depressão ligeira e a uma negação da doença, que são frequentes depois de se sofrer um enfarte, é conveniente que os doentes e os seus familiares e amigos falem de tudo o que os preocupa com os médicos, enfermeiros, assistentes sociais e outros terapeutas.
Os fármacos denominados inibidores do enzima conversor da angiotensina (ECA) podem reduzir o aumento do tamanho do coração em muitos doentes que sofrem de enfarte. Por conseguinte, estes medicamentos administram-se sistematicamente aos doentes poucos dias depois do enfarte.
PROGNÓSTICO E PREVENÇÃO
As pessoas que sobrevivem alguns dias após um enfarte, geralmente, podem esperar um restabelecimento completo, embora 10 % faleçam antes de decorrer um ano. As mortes verificam-se, habitualmente, nos primeiros 3 ou 4 meses, tipicamente em doentes que continuam a ter angina de peito, arritmias ventriculares e insuficiência cardíaca.
Para avaliar se uma pessoa terá mais perturbações cardíacas no futuro ou se necessitará de um tratamento adicional, podem levar-se a cabo alguns exames. Por exemplo, pode utilizar-se um monitor Holter para registar um ECG durante 24 horas, com o qual o médico poderá detectar se se produzem arritmias ou episódios de isquemia silenciosa. Uma prova de esforço (na qual o doente corre sobre um passadeira rolante enquanto se regista um ECG) antes ou pouco depois da alta do hospital pode contribuir para determinar o estado do coração após o enfarte e se a isquemia continua. Se estes exames revelarem a presença de arritmias ou de isquemia, é aconselhável um tratamento farmacológico. Se a isquemia persistir, pode efectuar-se uma arteriografia coronária para avaliar a possibilidade de uma angioplastia ou de uma operação de derivação (bypass) para restabelecer o fluxo sanguíneo no coração.
Após um enfarte de miocárdio, muitos médicos aconselham que se tome um comprimido de aspirina infantil, metade de um comprimido para adultos ou um comprimido completo para adultos. Uma vez que a aspirina evita que as plaquetas formem coágulos, reduz também o risco de morte e o risco de um segundo enfarte em 15 % a 30 %. As pessoas com alergia à aspirina podem tomar ticlopidina ou clopidogrel. Também se prescrevem betabloqueadores porque diminuem o risco de morte em 25 %. Quanto mais grave é o enfarte, mais benefícios se obterão da administração destes fármacos. No entanto, algumas pessoas não toleram os efeitos secundários e tão-pouco se obtêm efeitos benéficos em todos os casos.
A REABILITAÇÃO
A reabilitação cardíaca é uma parte importante do restabelecimento. O repouso na cama durante mais de 2 ou 3 dias provoca uma deterioração física rápida e às vezes depressão e uma sensação de desamparo. Salvo complicações, os doentes com um enfarte, geralmente melhoram progressivamente e podem, passados dois ou três dias, sentar-se, fazer exercícios passivos, caminhar até ao banho e fazer trabalhos leves e ler. Geralmente, no fim de uma semana ou antes é dada alta aos doentes.
Nas 3 a 6 semanas seguintes, a pessoa deverá aumentar, paulatinamente, a actividade. A maioria pode retomar a actividade sexual sem perigo uma ou duas semanas depois de ter alta. Se não se verificarem dispneia nem dor no peito, as actividades normais podem ser retomadas ao fim de 6 semanas.
Depois de um enfarte do coração, o médico e o doente deverão falar sobre os factores de risco que contribuem para a doença das artérias coronárias, sobretudo aqueles que o doente pode mudar. Deixar de fumar, reduzir o peso, controlar a pressão arterial, reduzir os valores sanguíneos do colesterol com uma dieta ou com medicamentação e efectuar exercícios aeróbicos diariamente são medidas que diminuem o risco de sofrer de uma doença das artérias coronárias.
COMPLICAÇÕES DE ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO
Uma pessoa que sofre um enfarte pode experimentar alguma das complicações seguintes: ruptura do miocárdio, coágulos sanguíneos, insuficiência cardíaca, choque, arritmias ou pericardite.
Ruptura do miocárdio Devido à debilidade do músculo cardíaco lesionado, às vezes rompe-se pela pressão da própria actividade do coração ao contrair-se. Há duas partes do coração particularmente susceptíveis de ruptura durante depois de um enfarte: a parede do músculo cardíaco e os músculos que controlam a abertura e o fecho da válvula mitral. Se estes músculos se rompem, a válvula não pode funcionar e o resultado é uma insuficiência cardíaca grave e repentina.
O músculo cardíaco pode romper-se na parede que separa os dois ventrículos (septo ou septum) ou na parede cardíaca externa. Embora as rupturas do septo possam ser reparadas cirurgicamente, as da parede externa têm quase sempre um desfecho mortal rápido.
Uma perturbação mais frequente é a contracção inadequada do músculo cardíaco lesionado por um enfarte, mesmo quando não tenha sido lacerado ou rompido. O músculo danificado é substituído por um tecido fibroso (cicatriz) que se contrai muito pouco ou não se contrai de todo. Por vezes, parte da parede cardíaca expande-se ou sobressai quando deveria contrair-se. Os inibidores do enzima de conversão da angiotensina (ECA) reduzem a extensão destas zonas anormais.
O músculo danificado pode converter-se numa leve protuberância (aneurisma) na parede cardíaca. Embora se possa suspeitar de um aneurisma a partir dos resultados anómalos de um electrocardiograma (ECG), é necessário um ecocardiograma para confirmar o diagnóstico.
Estes aneurismas não se rompem, mas podem causar episódios de arritmia e diminuir a capacidade de bombeamento do coração.
Uma vez que o sangue flui mais lentamente através dos aneurismas, podem formar-se coágulos sanguíneos nas cavidades cardíacas.
Coágulos sanguíneos Formam-se coágulos no coração em 20% a 60% dos casos de enfarte. Em cerca de 5% dos afectados, podem desprender-se partes desses coágulos, deslocar-se pelas artérias, fixar-se nos pequenos vasos sanguíneos por todo o corpo e, por consequência, obstruir o fornecimento de sangue a uma parte do cérebro (causando um AVC) ou a outros orgãos.
Um ecocardiograma pode detectar coágulos que se estão a formar no coração ou facilitar a avaliação dos factores de predisposição, com uma zona do ventrículo esquerdo cuja contracção seja pouco eficaz. Administram-se, frequentemente, anticoagulantes como a heparina e a varfarina para evitar a formação do coágulos. Habitualmente, continua-se o tratamento durante 3 a 6 meses depois do enfarte agudo miocárdio.
J.N.
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